Carreira – O peso de uma escolha

 

Episódio 2

Carreira.
Porque será que esta palavra me toca num nervo que me provoca dor?

Associo-a involuntariamente às pessoas que conseguiram traçar um caminho imaculado e ingressaram numa carreira (viram como até o verbo é armado em bom? “Ingressar” levanta a sobrancelha com sobranceria). 

Para se chamar carreira parece que tem de estar associado a uma profissão vista como digna, a uma actividade que conduz ao sucesso, com prestígio, com estabilidade e que é invejável. Sou só eu que leio esta palavra assim?

Ninguém diz que ingressou na carreira de caixa de supermercado ou de varredor de ruas, perdão, higienização urbana, será assim que se diz?

 
 
 
 
 

Mudar o rumo do percurso profissional

Para mim, esta palavra sugere que foi feita uma escolha ponderada e privilegiada, talvez já cultivada na infância, de um caminho que conduziria a uma actividade edificante e que pressupunha a assinatura de um contrato vitalício com esse percurso. Assine o contrato e terá de ir sempre pela A1, nunca poderá desviar-se do seu percurso, nunca poderá inverter o sentido da marcha e muito menos sair para ingressar numa estrada secundária com um pavimento esburacado. (Viram isto? “Ingressar” dá para usar aqui? Não dá, pois não?). 

Mas a verdade é que essas estradas nacionais serpenteadas também podem permitir-nos ir a outra velocidade, não nos impelem a ter de ultrapassar os outros e, espante-se, muitas vezes mostram encantos e belezas que nenhuma “A” consegue transmitir.

No fundo, esta palavra toca-me porque eu também não segui direitinha esses percursos previamente traçados, não entrei com as certezas todas na porta predileta e não subi a escada, degrau a degrau, com a cadência esperada. Errei, duvidei, hesitei, mudei e há dias em que não sei se acertei.

 
 
 
 

Carreira – a fábula da cigarra e da formiga

A minha cabeça brinca, mais uma vez, com as palavras. Carreira? Ou carreiro do qual não te podes permitir sair ou desviar? 

Quem anda sempre certinha nos seus carreiros é a formiga. Segue essa rota estabelecida e vai cumprindo a missão que lhe foi designada, avançando sempre sem se perder. É também a pequena formiga que carrega mais do que o seu próprio peso, suportando um esforço gigante em percursos de longas distâncias. 

A formiga é um animal com o qual simpatizo (ou não tivesse já essa sido uma das minhas alcunhas) e traz-me à memória a fábula da cigarra e da formiga. A pequena formiga trabalhava durante todo o tempo quente da Primavera e do Verão, para se preparar para as intempéries e adversidades do Outono e Inverno. Chegado o tempo frio, desfrutava do que havia colhido e preparado, permitindo-se descansar. Por sua vez, a cigarra foliona brincava, cantava, dançava e divertia-se durante as estações quentes, enquanto a sua amiga trabalhava arduamente sem parar. No Inverno penava com fome e falta de sítio para se abrigar. 

E se nas nossas carreiras pudéssemos viver sem estes dois extremos acentuados? Se pudesse haver um equilíbrio entre o que é ser formiga e o que é ser cigarra? Porque não conjugar o trabalho com a alegria? Porque não viver a dimensão profissional com mais harmonia em todas as estações do ano?

 
 
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